24 fevereiro 2022

SARAMAGO, CEM ANOS, CEM CITAÇÕES - 58

«não há diferença nenhuma entre cem homens e cem formigas, leva-se isto daqui para ali porque as forças não dão para mais, e depois vem outro homem que transportará a carga até à próxima formiga, até que, como de costume, tudo termina num buraco, no caso das formigas lugar de vida, no caso dos homens lugar de morte, como se vê não há diferença nenhuma»

“Memorial do Convento”

23 fevereiro 2022

SARAMAGO, CEM ANOS, CEM CITAÇÕES - 57

 

«Não me leves a mal, Francisco, se te faltei. Foste pedir a pobres o que pobres não podem fazer: acabar com os ricos. Se tal fosse possível, crê que já estaria feito. Desde que o mundo é mundo que há pobreza e há riqueza. É certo que de vez em quando um pobre torna-se rico. Quando isso acontece, e é uma coisa que os ricos gostam que aconteça, o pobre esquece a pobreza. Nunca reparaste? Evidentemente, este rico não se esquece de que foi pobre, mas a pobreza deixou de existir para ele. Mesmo que a sua riqueza seja uma pobre riqueza, insignificante se comparada com outras, não importa, ele já é rico, pertence aos ricos, os ricos pertencem-lhe.»

“A segunda vida de Francisco de Assis”

21 fevereiro 2022

SARAMAGO, CEM ANOS, CEM CITAÇÕES - 56

 

«(...) As ideias que fazemos (...) da própria ideia são, apenas, imperfeitas compreensões do que deverá ser a verdade, se é que, por fim, a verdade não é totalmente diferente. (...) O que nos vale (...) é a impossibilidade do conhecimento absoluto, e então contentamo-nos com simples aparências, de que tecemos a vida inteira.»


 “Terra do Pecado”

17 fevereiro 2022

SARAMAGO, CEM ANOS, CEM CITAÇÕES - 54


 «Eu podia ter, também, sucumbido a um golpe semelhante ao que tu sofreste, podia passar a minha existência inundado de pensamentos inúteis, lembrando a minha mulher falecida. Não o fiz, porém. Resolvi viver. Resolvi deixar a minha morta em paz, pensar nela com uma saudade vaga e, apenas um pouco triste, dedicar um breve espaço da minha vida à amargura de a haver perdido. Ao princípio, custou-me. A felicidade é tão absorvente, habituamo-nos tanto a ela que, quando nos foge, quando no-la roubam, sentimo-nos incompletos como se uma parte essencial do nosso corpo tivesse desaparecido, deixando uma chaga imensa e dolorosa, que não fecha e destila sempre o pus da nossa desventura. Mas como tudo isto é vão, Maria Leonor! Como nós complicamos a extraordinária simplicidade da vida!»

 “Terra do Pecado”

16 fevereiro 2022

SARAMAGO, CEM ANOS, CEM CITAÇÕES - 53

«Não sei o que mais une, se as grandes catástrofes, se as grandes alegrias. As catástrofes são boa maré para que venha ao de cima o instinto de conservação, o egoísmo instintivo. (As alegrias, se atentarmos bem, também têm os seus pecados.) Mas ao menos, depois das catástrofes, quando nos encontramos à luz do dia, mal refeitos do pavor, talvez envergonhados das fugas dementadas, da ferocidade do «salve-se quem puder» — pomos os olhos uns nos outros encontramo-nos iguais, um pouco irmãos e amigos.»

crónica “Cismando no sismo”. IN “Deste Mundo e do Outro”

15 fevereiro 2022

SARAMAGO, CEM ANOS, CEM CITAÇÕES - 52

 

 «Na guerra, no campo de batalha, vemos cair um companheiro, parece às vezes a ferida ligeira, e se o queremos ajudar a erguer-se, os membros desfalecem-lhe, é um corpo morto que mais tarde teremos de enterrar. Outras vezes julgamos que é mortal o golpe, que não há esperança, passamos adiante e contamo-nos um a menos, mas olhamos para o lado e vemos que ele se levantou por suas próprias forças e continua o combate, mesmo deixando atrás de si o sangue. Assim são os amores. Julgamo-los vivos e estão mortos, julgamo-los mortos e estão vivos.»

“Que farei com este livro?”

14 fevereiro 2022

SARAMAGO, CEM ANOS, CEM CITAÇÕES - 51



Para o dia de S. Valentim

«Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar,»

“O conto da ilha desconhecida”

10 fevereiro 2022

SARAMAGO, CEM ANOS, CEM CITAÇÕES - 50

 

«Às vezes, disse, deveríamos regressar a certos gestos de ternura antigos, Que sabes tu disso, não viveste nos tempos da reverência e do beija-mão, Leio o que contam os livros, é o mesmo que lá ter estado […]»

"A Caverna"

SARAMAGO, CEM ANOS, CEM CITAÇÕES - 49

 

«Por fim as nuvens desapareceram. A noite vinha devagar entre as oliveiras. Os animais faziam aqueles ruídos que parecem uma interminável conversa. Meu tio, à frente, assobiava devagarinho. Por causa de tudo isto me veio uma grande vontade de chorar. Ninguém me via, e eu via o mundo todo. Foi então que jurei a mim mesmo não morrer nunca.»

“A Bagagem do Viajante”

09 fevereiro 2022

SARAMAGO, CEM ANOS, CEM CITAÇÕES - 48

 


«Nem tudo foi tão sórdido neste país em que não se morre como o que acabou de ser relatado, nem todas as parcelas de uma sociedade dividida entra a esperança de viver sempre e o temor de não morrer nunca conseguiu a voraz máfia cravar as suas garras aduncas, corrompendo almas, submetendo corpos, emporcalhando o pouco que ainda restava dos bons princípios de antanho, quando um sobrescrito que trouxesse dentro algo que cheirasse a suborno era no mesmo instante devolvido à procedência, levando uma resposta firme e clara, algo assim como, Compre brinquedos para os seus filhos com esse dinheiro, ou, Deve ter-se equivocado no destinatário. A dignidade era então uma forma de altivez ao alcance de todas as classes.»

“As intermitências da morte”

07 fevereiro 2022

SARAMAGO, CEM ANOS, CEM CITAÇÕES - 47

 

«As histórias para crianças devem ser escritas com palavras muito simples… Quem me dera saber escrever essas histórias…»


“A maior flor do mundo”

03 fevereiro 2022

SARAMAGO, CEM ANOS, CEM CITAÇÕES - 46

«O latifúndio é um mar interior. Tem seus cardumes de peixe miúdo e comestível, suas barracudas e piranhas de má morte, seus animais pelágicos, leviatãs ou mantas gelatinosas, uma bicheza cega que arrasta a barriga no lodo e morre sobre ele, e também grandes anéis serpentinos de estrangulação.»

"Levantado do chão"


SARAMAGO, CEM ANOS, CEM CITAÇÕES - 45

 «comandante, nem tudo na vida são alabardas, alabardas, espingardas, espingardas»

 "A viagem do Elefante"

01 fevereiro 2022

SARAMAGO, CEM ANOS, CEM CITAÇÕES - 43

«- qualquer regime (posicionamento ou comportamento individual, também) fascista - é igual ao tubarão: dispõe de fileiras sucessivas de dentaduras, e sempre que nelas um dente se parte ou gasta, outro dente, fresco e afiado, avança a ocupar o lugar... Como é fácil concluir, o único remédio consistiria em matar o tubarão ou amordaçá-lo definitivamente. A tarefa tem sido dura, dado que o animal estrebucha muito, desfere dentadas a torto e a direito – e nunca está no mesmo sítio»


 crónica “Uma nova provocação”, datada de 20 de Maio de 1975 e publicada em "Os apontamentos", p. 225